1. Introdução
O concreto armado tem se consagrado no decorrer dos anos como
um dos sistemas construtivos mais utilizados. Segundo Helene e
Levy (2003) [1], o concreto terá um futuro cada vez mais promissor
nas próximas décadas, uma vez que sua versatilidade arquitetôni-
ca, aliada à durabilidade crescente, possibilitará a realização e o
desenvolvimento de qualquer projeto.
Para o concreto atingir resistências previstas para o bom funcio-
namento, é necessário que reações de hidratação se consumam
entre o cimento e a água. Desta forma a temperatura externa com-
porta-se como catalisador destas reações, quando mais quente
estiver, mais rapidamente estas reações ocorrerão.
Segundo Shoukry et
al.
(2010) [2], a temperatura, conjuntamente
com a umidade relativa do ar, desempenha um grande papel nas
reações de hidratação da pasta de cimento, afetando as proprie-
dades do concreto no estado fresco e no endurecido.
No entanto, o Brasil é formado por um território extenso, englo-
bando vários tipos de condições climáticas, inclusive locais com
baixas temperaturas em determinados períodos do ano. Na região
sul, por exemplo, o clima pode ser comparado como o de outros
países da América Latina e do mundo, onde a incidência de bai-
xas temperaturas em longos períodos do ano é caracterizada pelo
clima temperado. Ainda assim, a norma brasileira de projeto de
estruturas de concreto, a ABNT NBR 6118:2007 [3] não diferencia
as regiões do país ou temperaturas externas. Os projetos estru-
turais e, consequentemente, a execução vêm sendo realizados
sem cuidado no que diz respeito ao controle da temperatura de
cura nos primeiros dias, podendo surgir problemas irreversíveis
nessas estruturas.
Conforme Mehta e Monteiro (2008) [4]:
“Nesse aspecto, o concreto equipara-se a uma criança:
para se tornar um adulto saudável, o recém nascido pre-
cisa de atenção especial durante os primeiros períodos
de crescimento. No entanto, em ambos os casos, não há
definição clara de quanto tempo dura esse período de pri-
meiras idades
.
”
O cimento Portland, ao reagir com a água, forma uma pasta com
mais ou menos fluidez, dependendo do percentual de água adi-
cionada. Com o passar do tempo, essa mistura endurece pela
reação irreversível da água com o cimento, adquirindo resistên-
cia mecânica capaz de torná-la um material de excelente desem-
penho estrutural, sob os mais diversos ambientes de exposição
(Isaia, 2005 [5]).
Conforme Anka et
al.
(2009) [6], todo o processo de hidratação do
cimento no concreto é muito complexo, podendo ser influenciado
por inúmeros fatores. Entre as propriedades que mais afetam o
processo de hidratação está a temperatura inicial do concreto e
também a temperatura do ar.
O aluminato tricálcico (C
3
A), componente do cimento, se hidrata
em uma velocidade muito mais rápida do que os silicatos. Neville
(1997) [7] cita que as reações do C
3
A puro com água ocorrem
de uma maneira violenta e resulta em um enrijecimento imedia-
to da pasta de cimento, conhecido também como pega instantâ-
nea. Com o intuito de evitar que isso aconteça, adiciona-se gesso
(CaSO.2H
2
O) ao clínquer no processo de fabricação do cimen-
to Portland. Segundo Kirchheim et
al.
(2010) [8], um exemplo da
ação do C
3
A pode ser visualizado na execução do museu Iberê
Camargo em Porto Alegre, onde foi utilizado cimento Portland
branco com teores de C
3
A acima de 9%.
Os silicatos de cálcio (C
3
S e βC
2
S), são responsáveis por cerca
de 75% da constituição do cimento Portland comum, têm um pa-
pel dominante na determinação das características de endureci-
mento, também conhecida como a taxa de desenvolvimento da
resistência. A hidratação do C
3
S e βC
2
S no cimento Portland pro-
duz uma família dos silicatos de cálcio hidratados que tem suas
estruturas semelhantes, que variam amplamente na relação en-
tre cálcio e sílica, além do teor de água quimicamente combinada
(Mehta e Monteiro, 2008) [4].
Já o ferroaluminato tetracálcico (C
4
AF) resulta em produtos de hi-
dratação semelhantes estruturalmente aos produtos do C
3
A, ape-
sar de que a reatividade do C
4
AF é mais lenta (Neville, 1997) [7].
Em paralelo às reações é gerado o calor de hidratação do cimento
Portland, que pode ser observado como uma energia térmica re-
sultante do contato com a água. Essa evolução de calor se dá de
maneira rápida a partir da mistura do clinquer de cimento Portland
moído com água. A hidratação do cimento é caracterizada como
uma reação exotérmica, ou seja, reação que gera calor, com isso
o processo de hidratação está diretamente relacionado à quanti-
dade de calor gerada.
Portanto, o que se espera do cimento Portland é uma boa corre-
lação entre a velocidade de hidratação do cimento e o calor de hi-
dratação. Cimentos com alto calor de hidratação se hidratam com
maior rapidez em comparação aos cimentos que geram menor
calor de hidratação (Taylor, 1967) [9]. Kirchheim et
al.
(2010) [8]
complementam que em determinadas obras que utilizam grandes
quantidades de concreto, a sua condutividade térmica pode ser
baixa e com a elevada liberação de calor devido à reação de hidra-
tação, podendo gerar fissuras por retração térmica.
Conforme Mehta e Monteiro (2008) [4], o calor de hidratação pode,
às vezes, ser desfavorável como, por exemplo, em estruturas de
concreto-massa. E outras vezes ser favorável como, por exem-
plo, em concretagem no inverno ou em regiões de temperaturas
baixas quando a temperatura do ambiente pode estar muito baixa
para fornecer energia necessária para a ativação das reações ini-
ciais de hidratação. Segundo Zhang et
al.
(2008) [10], não existe
um valor único de energia de ativação para todos os concretos e
suas diferentes formulações.
De acordo com Pinto Barbosa et
al.
(2006) [11], todo o processo
de hidratação do cimento pode ser comparado a partir de uma
taxa de evolução que depende da concentração e da tempera-
tura de todos os reagentes da solução. A hidratação é acelerada
em temperaturas altas e reduzida em temperaturas mais baixas.
Kim et
al.
(2002) [12] ressaltam que concretos submetidos a altas
temperaturas em idades iniciais alcançam mais cedo altas resis-
tências, porém diminuem a taxa de crescimentos de resistência
ao longo do tempo. Husem e Gozutok (2004) [13] complementam
que curas em altas temperaturas diminuem a resistência do con-
creto, sendo inclusive aplicadas a peças moldadas em concretos
convencionais e de alto desempenho, o que pode acarretar pro-
blemas no futuro.
Quando o concreto está em período de pega ou em princípio de
endurecimento, e sofre a interferência das baixas temperaturas,
essas ações apresentam a tendência de serem desaceleradas ou,
até mesmo, anuladas, devido à redução na velocidade de hidrata-
ção dos compostos ativos do cimento (Cánovas, 1988) [14]. Já em
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IBRACON Structures and Materials Journal • 2012 • vol. 5 • nº 1
V. CECCONELLO | B. TUTIKIAN